23/01/2012

O cabo-verdiano que quer ser presidente de França

O cabo-verdiano que quer ser presidente de França

Américo Jonas Costa, 54 anos, natural de Fajã Domingas Benta, interior do concelho de Ribeira Grande, Santo Antão, quer ser o próximo Presidente da República de França. Cidadão francês há três décadas, engenheiro nuclear, dono da Control AJC International (empresa especializada em controlo de instalações nucleares e petroquímicas que trabalha em toda a Europa) e fundador do partido Le Mouvement La France du Peuple (M – La FP), Costa acredita que tem hipóteses de derrotar os “elefantes e tubarões” da política francesa. Porque o povo, desencantado e desiludido, anseia por novos políticos e formas inovadoras de fazer política. Na entrevista que se segue, este cabo-verdiano de origem diz que a imprensa gaulesa já o chama Barack Obama francês, e explica o que o motiva a entrar nesta corrida.

- Como surgiu esta sua ideia de se candidatar à presidência da República Francesa?
- A minha ideia não é recente, vem desde 2002. Mas a minha candidatura ainda não é oficial. Já foi publicada na imprensa francesa a hipótese da minha candidatura, nomeadamente no jornal Le Républicain Lorrain. Mas só a partir de 16 de Março é que se fará a declaração oficial das candidaturas.

- O que falta para concretizar a sua candidatura?
- Para ser candidato oficial devo levar aos eleitores o meu programa e esperar que eles subscrevam o meu programa e validem a minha candidatura à frente do Conselho Constitucional. Preciso de 500 assinaturas de altos eleitores (representantes políticos eleitos, entre eles deputados, presidentes de câmara, senadores), repartidos por 30 distritos diferentes. Esta é a condição sine qua non para a candidatura ser oficializada. Quando o Conselho Constitucional promulgar a minha candidatura, poderei então fazer o anúncio oficial. Mas ainda ninguém recolheu as assinaturas necessárias.

- E já tem apoios?
- Não, ainda não tive apoios declarados. Só as pessoas mais conhecidas têm garantias à partida, aliás, a máquina eleitoral que trabalha para eles é enorme e cobre todas as frentes. Como as assinaturas são publicadas, certos administradores preferem postar a sua assinatura na lista dos grandes, os pequeninos ficamos para depois. Por isso, alguém como eu tem que ter um programa mais substancial para que os eleitores se reconheçam nele.

- Vai candidatar-se com o apoio de um partido?
- Sim. Mas se eu fosse candidato de um dos grandes partidos, teria de passar pelas primárias, o que tornaria a minha nomeação quase impossível, não conseguiria combater os “elefantes” e “tubarões” da política. Por isso, criei um partido político, o Mouvement La France du Peuple (M – La FP) – o Movimento A França do Povo – pensado e iniciado por mim, e reconhecido no jornal oficial no dia 15 de Fevereiro de 2011. Sou o único candidato do partido, assim só os altos eleitores podem dizer-me “não”. De maneira que estou mais perto de ser candidato do que os candidatos que estão dentro de um grande partido. Ou seja, só o povo, no dia do voto, 22 de Abril, vai dizer “sim” ou “não” ao meu programa político.

- Porque quer candidatar-se à presidência da República Francesa?
- Nas campanhas presidenciais anteriores dei a minha participação. Certas ideias minhas foram aproveitadas, mas as pessoas não reconheceram publicamente o seu verdadeiro autor. Desta vez não só não irei dar as minhas ideias para serem exploradas por outras pessoas como não as deixarei escondidas. Decidi que se tenho algo para dizer ao povo francês, di-lo-ei directamente.

- Nas outras campanhas foi ter com os candidatos e apresentou-lhes as suas ideias?
- Não. Participei de conferências com Jacques Chirac, na Casa da Química. E também contactei Sarkozy, a quem enviei em 2007, em texto, várias ideias.

- Sente-se melindrado por ver outros apropriarem-se das suas ideias sem lhe dar o devido mérito e reconhecimento?
- Sim, é isso mesmo. E é uma das razões por que me vou candidatar. Desta vez, se as pessoas quiserem saber as ideias de Américo Costa vão ouvi-las de viva voz.

- Há pouco falou dos “elefantes” e “tubarões” da política francesa. Acredita que conseguirá lutar contra eles e vencê-los?
- Sim, acredito que posso lutar contra eles e vencê-los porque os tubarões e elefantes esquecem-se que, juntas, as formiguinhas podem ter mais força que eles. Em conjunto com o povo, posso vencê-los.

- Talvez porque o povo está desencantado e desiludido?
- Sim, exactamente. Antes de falar da minha eventual candidatura no jornal Le Républicain Lorrain, tive oportunidade de falar com várias pessoas que me diziam sempre o mesmo: já estamos fartos de ouvir sempre as mesmas cantigas de certos candidatos que, depois de eleitos, nos tratam como desconhecidos. Mais de uma pessoa me disse: Deus queira que um candidato de um outro meio surja um dia. Eu serei o primeiro a votar nele. Disse-lhes então: Estão à frente desse candidato. A hipótese de o actual presidente, o Sr. Sarkozy, por quem tenho grande respeito e até amizade, não ser eleito é grande. Porque ele, tal como eu, só pode votar uma vez. No dia do voto, qualquer cidadão é mais importante que todos os candidatos.

- Tendo em conta a conjuntura actual de crise económica que a Europa enfrenta, qual será o seu projecto presidencial?
- Antes de mais, gostaria de dizer que a crise não é de hoje, ela existe há muito tempo. A marmita estava compressada e explodiu agora. A crise é mais de confiança do que de meios. De modo que primeiro temos de injectar confiança nos empresários e evitar que as pessoas retirem dinheiro dos bancos para guardar tudo em casa. Seria um grande problema a falta de confiança entre dirigentes e o povo. É mais do que certo que o povo está totalmente desligado do quadro político – porque em quase todos os países, o povo não é ouvido. Os eleitos têm a tendência de esquecer os eleitores após as eleições! É uma situação triste e que não pode continuar. A intenção do meu partido é restabelecer essa ligação, ir ouvir o povo.

- Cabo-verdianos residentes em França queixam-se às vezes de discriminação e racismo. Não poderá como candidato ser vítima também desse suposto racismo e dessa provável discriminação que existirá em França?
- Posso garantir que a França não é um país racista. A prova é que eu cheguei lá com quase 15 anos de idade, fiz os meus estudos e hoje sou candidato eventual à presidência da República. A França é um país aberto, que ama os seus sem reserva. Mas é também verdade que cada país tem as suas leis e os seus costumes. Uma pessoa que vá à França tem de respeitar as leis e os costumes do país. Quem não respeite essas indicações estará ela própria a construir um campo de discriminação. O racismo existe em todos os países, inclusive em Cabo Verde. E o racismo não se restringe à cor da pele, é um comportamento, a forma como se trata o nosso semelhante, a pessoa humana, independentemente da raça. Dizer que a França é racista, um país que discrimina é mesmo um pecado. A França deu-me tudo, fiz tudo para que me desse e agora estou a tentar devolver-lhe uma parte daquilo que me deu.

- Quem é o cidadão francês Américo Jonas Costa?
- Primeiro fui um emigrante muito jovem, que entrou em França e tentou, como o meu pai me aconselhara, passar no teste da integração. Tive oportunidade de estudar em escolas que naquela altura muito poucos cabo-verdianos frequentavam. Quando fui reconhecido como cidadão francês, comecei a entrar na política. Fiz entretanto o serviço militar. Sou um ex-quadro militar que foi marechal da logística (sargento em França), era o único cabo-verdiano entre mais de duas mil pessoas. Fiz formação universitária na área nuclear, um sector que exige actualização permanente, razão porque continuei sempre a trabalhar e a estudar. Sou também empresário, criei a minha empresa – a JC International –, desde 1990. É uma firma de controlo e investigação na área nuclear. Já fui à Rússia, Alemanha, Portugal, Bélgica, Holanda, Itália e Inglaterra fazer controlo de instalações nucleares e petroquímicas. Também trabalhei durante 20 anos ligado ao Centro de Investigação de Física Nuclear de Genève, Suíça. Agora que tenho 54 anos, feitos no dia 15 de Novembro, vou entrar num outro espaço, que é a política. Com a experiência que tenho, quero dar um pouco do que sei ao mundo.

- Para além de político, engenheiro nuclear e empresário, quem é Américo Jonas Costa?
- Vivo na cidade de Marange-Silvange, em Metz, no leste de França, onde residem muito poucos cabo-verdianos, talvez dois ou três casais. Casei em 1983 com uma francesa e tivemos o prazer de ter uma filha chamada Alison, que daqui a alguns meses fará 28 anos de idade. Divorciámo-nos em 1987. Em 1996 nasceu o meu filho Nastase, que é a melhor coisa que me aconteceu depois que o meu pai faleceu em 1995, apesar de ter sido uma gravidez sem o meu consentimento. Amo-o muito, pois os filhos não devem pagar pelos erros e desentendimentos entre os pais.
Entrevista por: Teresa Sofia Fortes
 Fonte: Asemana

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