06/03/2012

Brasil: Quilombolas fazem parte de um país "de alguma fora invisível", diz autor de documentário

Os quilombolas também são brasileiros (que vivem no estado do Maranhão e têm origens em Cabo Verde e Guiné-Bissau), mas são de “um Brasil de alguma fora invisível”, alheado de carnavais e futebóis, diz Paulo Nuno Vicente, autor de um documentário sobre estes descendentes de escravos africanos que lutam pelo direito à terra.

“Kilombos” é o nome do documentário realizado pelo jornalista Paulo Nuno Vicente, com direção de imagem de Luís Melo e financiado pelo Instituto Marquês de Valle-Flôr (IMVF), que será mostrado pela primeira vez no seminário internacional dedicado à cultura dos quilombolas, na quarta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Em declarações à Lusa, Paulo Nuno Vicente explicou que quis mostrar “um retrato que sai fora do postal”, mas que, acredita, “é importante conhecer”, porque revela “o Brasil contemporâneo”.

“Este é também o Brasil, um Brasil de alguma forma invisível. Está fora do Carnaval, fora do futebol, das praias repletas de mulheres esculturais”, realça.

Os quilombolas que o documentário retrata – que vivem no estado do Maranhão e têm origens em Cabo Verde e Guiné-Bissau – “vivem à sombra de um quadro de direitos que é consagrado legalmente, quer nacionalmente, dentro do Brasil, quer internacionalmente, quando falamos de direitos humanos”.

“É algo paradoxal que seja possível encontrar, ainda hoje, comunidades (…) em que a violação de direitos democráticos básicos acontece diariamente”, seja por impossibilidade de acesso à escola ou por invasão de terras, assinala o jornalista.

Os “crimes contra pessoas e património” são frequentes nos quilombos (nome das povoações, que se estimam em mais de três mil no Brasil), relata Paulo Nuno Vicente, referindo a violência que afeta sobretudo as pessoas que, dentro das comunidades, têm procurado organizar-se. “Algumas delas são assassinadas ou são de alguma forma perseguidas. (…) Tiveram que, várias vezes, fugir da sua própria casa”, exemplifica.

Todos os sujeitos do filme são quilombolas, à exceção de um, que desafia os espetadores a perguntarem-se quem vive em alojamentos precários nas grandes cidades. “São usualmente pessoas negras, que foram obrigadas a fugir para os centros urbanos, para poderem ter um nível de vida mais aceitável”, responde Paulo Nuno Vicente, lamentando que “este tipo de temas” não mereça uma abordagem “mais aprofundada” por parte dos jornalistas, do Brasil e do mundo.

O documentário “Kilombos” será exibido na quarta-feira, às 16:15, na presença dos autores e acompanhado por um debate.

O seminário internacional organizado pelo IMVF, organização não-governamental para o desenvolvimento portuguesa que trabalha com os quilombolas do Maranhão desde 2004, pretende “dar a conhecer à opinião pública europeia” o balanço de um projeto de três anos, que procurou “promover a cultura como fonte de rendimento e valorização da identidade”.

O projeto, cofinanciado pela Comissão Europeia e pela cooperação portuguesa e que contou com parceiros locais, incluiu, entre outras iniciativas, intercâmbios culturais.

O seminário contará, na sessão de abertura, com Domingos Simões Pereira, secretário-executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), e Manuel Correia, presidente demissionário do IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento). Ao longo do dia, historiadores, investigadores e quilombolas vão debater a cultura deste povo.

A semana dedicada pelo IMVF à cultura quilombola prosseguirá com um programa de conferências e debates em várias câmaras municipais e escolas portuguesas.

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