Estudar no
Porto com bolsas atribuídas pelo governo cabo-verdiano pode, em muitos
casos, ser meio caminho andado para a permanência ilegal em Portugal.
De acordo com Iva Costa Almeida, cabo-verdiana de 32 anos que se
encontra a fazer um mestrado na Faculdade de Engenharia da Universidade
do Porto (FEUP), há muitos estudantes em Cabo Verde que, "ansiosos por
sair do país", acabam por emigrar com falsas garantias, dadas pelo seu
próprio governo, de que terão as condições mínimas para o estudo e
sobrevivência.
Segundo a estudante que coordena a primeira Tertúlia Crioula
Portuense, a realizar-se este sábado, dia 23, na Escola Profissional de
Economia Social, no Porto, "os estudantes do ensino profissional que
vêm de Cabo Verde são informados de que vão ter uma bolsa de
alimentação e bolsa de transporte", para verificarem que não só não têm
direito a alojamento, como lhes são atribuídos apenas 100 euros
mensais de bolsa.
"A bolsa é muito reduzida", diz à Lusa Iva Almeida, contando que foi
dito aos estudantes cabo-verdianos que "só no ano seguinte" à sua
chegada teriam onde ficar, pelo que entretanto lhes foi sugerido que
procurassem outros locais por si mesmos, junto de outros alunos
conterrâneos.
"A falta de dinheiro faz com que muitos estudantes enveredem por
cometer pequenos delitos ou por outras situações mais preocupantes",
conta, estimando que, só no Porto, haja "em torno de 450 estudantes
cabo-verdianos no ensino profissional e 300 no ensino universitário",
todos sem alojamento definido à chegada e com bolsas de 100 euros
mensais.
"Isso não dá condições nenhumas para um estudante ter uma vida de
qualidade", prossegue a coordenadora da Tertúlia Crioula Portuense,
explicando que "a partir do momento em que se encontram numa situação
limitadora, passam a ter problemas na escola, têm que procurar emprego
e, com a situação de crise em Portugal, não há emprego para os
imigrantes."
Iva Almeida sublinha ainda que "muitos desses estudantes desistem e
estão a emigrar para França, vão para Lisboa ou, não podendo estar
regulares na escola, não conseguem renovar os seus documentos no
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e, daí, transforma-se numa
bola de neve, tornam-se imigrantes ilegais."
Também Décio Carvalho, estudante de 26 anos natural da Cidade da
Praia, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, garante que "quase 100 por
cento dos estudantes cabo-verdianos que vêm estudar para o Porto vêm
com uma ideia ilusória daquilo que é a realidade."
Para este aluno da Faculdade de Direito da UP, que é também
presidente da Associação de Estudantes Cabo-Verdianos do Porto, as
condições que os bolseiros de Cabo Verde encontram "são muito
diferentes" do que as que lhes prometem, para além de que partem com "a
ideia de que 300 euros chegam para custear um mês de vida na cidade."
"Até colegas meus que vieram com isenção de propinas acabaram por
desistir, porque não conseguiram suportar as despesas do mês, não
conseguiram encontrar trabalho, tiveram que abandonar [os estudos] e
nem sei onde estão muitos deles neste momento?", lamenta Décio
Carvalho.
Para Iva Costa Almeida, "tanto o governo de Cabo Verde, como as
próprias câmaras [municipais] e instituições cabo-verdianas que têm
responsabilidade e que mandam os estudantes [para o Porto] deviam para
organizar melhor todo o processo, pensando primeiro na parte da
informação".
"Com a Tertúlia Crioula no Porto, queremos passar esta mensagem ao
governo cabo-verdiano, através do embaixador e do cônsul cabo-verdianos
em Portugal", conclui a mestranda em Engenharia Informática na FEUP,
de modo a que "tenham mais cuidado, mais critério na seleção das
pessoas e que tenham mais sensibilidade para acompanharem os estudantes
que estão cá".
"Não se esqueçam que nós existimos, principalmente aqui, no Porto.
Que existimos e estamos a passar dificuldades", alertou.
Fonte: Lusa
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