O ritual dura há anos. Todos os dias Gomes
senta-se à porta de casa para ver o movimento da rua. À tardinha está ali
sentado no parapeito da janela da sua casa, num rés-do-chão, para ver os carros
a passar, as pessoas e também o tempo.
Gomes, como gosta de ser tratado, é um velho
cabo-verdiano, na casa dos 70 anos. Natural da ilha de Maio, é já quase mais um
"monumento" da parte baixa da capital luxemburguesa, o Grund.
Quando passa o "comboio verde da
Pétrusse" com turistas, Gomes recebe uma apitadela do motorista e levanta
a bengala para agradecer aquela cara já familiar. Outros passam de carro e abrem o vidro para dar
uma palavrinha ao cabo-verdiano de cabelos brancos e olhar cansado, ali na
principal rua do Grund.
"Saí de Cabo Verde há muitos anos e fui
para a Holanda como tantos outros cabo-verdianos. Depois, vim para o Luxemburgo
e já levo aqui 45 anos. Quando cá cheguei o trabalho era mau. Fazia muito frio e o corpo não
estava habituado", conta Gomes.
O homem da
bengala reformou-se há 12 anos e de lá para cá tem-se desdobrado em viagens a
Cabo Verde. A última foi no início do ano.
"Os filhos estão todos em Cabo Verde e
quando posso vou lá visitar. Aqui não tenho família, mas tenho uma amiga
luxemburguesa com quem vivo (sorri)".
A companheira de Gomes nunca foi a Cabo Verde
e não quer ir, diz o septuagenário, que promete ficar aqui com ela.
"Apesar de ir e vir a Cabo Verde, sei que
encontro a minha companheira sempre aqui e é com ela que quero ficar".
Além da companheira, é o sistema de saúde
luxemburguês que o mantém por cá.
"Já fiz aqui duas operações e o serviço
médico é bom. Só não quero é ir para um lar. Quero ficar em casa e a minha
mulher vai tomar conta de mim. Mas se um dia for para um lar, sei que já não
vou ter mais nada", lamenta o velho Gomes.
Não é fácil encontrar idosos
cabo-verdiano nos lares
O Estado luxemburguês
conta com 33 Centros Integrados para Pessoas Idosas (CIPA, no acrónimo em
Francês), 16 "maisons de soins" (que dispensam de cuidados de saúde)
e 10 alojamentos adaptados para idosos com autonomia (com um serviço mínimo de
acompanhamento de oito horas por dia).
No Luxemburgo, a maioria
dos cabo-verdianos vive com outra nacionalidade, sobretudo a portuguesa, e
encontrar um idoso com documentação cabo-verdiana num lar é tarefa quase
impossível. Oficialmente, não há registo de cabo-verdianos
nesses lares.
"Na nossa lista os
cabo-verdianos estão no grupo dos africanos, e em 2011 não temos registo de
nenhum africano nos nossos lares", assegura Jacqueline Becker do
Departamento de Estatísticas do Ministério da Família do Luxemburgo.
"Entre os lusófonos, temos apenas 82
portugueses, 53 mulheres e 29 homens, que podem ser ou não
cabo-verdianos", acrescenta Bercker.
Carlos Silva tem 87 anos e não consegue andar. Há dois anos ainda estava à espera de
uma vaga para um lar de idosos. A mulher, Teresa, ainda "se aguenta nas pernas" e está com os filhos Foto: M. Dias |
O CABOLUX foi encontrá-lo precisamente num dos lares da lista do Ministério da Família – Centro de Geriatria de Hamm. Por ter sido inscrito com outra documentação que não a cabo-verdiana, não faz parte da “lista dos africanos”.
"O meu pai [Carlos Silva] não consegue andar e tem já outros problemas que aparecem com a idade. Não tem mobilidade nenhuma e, infelizmente, ninguém consegue ficar em casa a tomar conta dele porque temos de trabalhar", diz Manuel Silva, um dos quatro filhos que vive aqui no Luxemburgo.
A esposa de Carlos Silva, Teresa, também é
octogenária. Ao contrário do marido, aos 82 anos ainda "está bem" e
goza de alguma autonomia, o que lhe permite ficar ainda com os filhos.
"A minha mãe está
bem. Ora fica comigo, ora com os outros irmãos. Mas já se
sabe que com o tempo pode vir também a ficar num lar", diz o filho.
Manuel Silva tem outros cinco irmãos em Cabo
Verde, mas descarta a possibilidade de um regresso definitivo dos pais à terra
natal.
"Decidimos que eles ficassem cá porque o
sistema de saúde é melhor. A minha mãe ainda pode lá ir de visita, mas para o
meu pai é impossível. Ele não pode
sequer viajar e vai ficar por cá", lamenta Manuel, que lembra que o pai
estava à espera de uma colocação num lar há dois anos."A situação não era fácil e tivemos de optar pela alternativa mais extrema. Já há dois anos que o meu pai estava à espera de uma colocação num lar. Felizmente, tivemos o apoio social, porque sem essa ajuda era impossível pagar as despesas. Esses lares são muito caros", aponta o filho.
A mentalidade mudou e a tendência é
de regresso, para os que podem
"As pessoas que
vieram para cá ainda antes da independência e que fizeram família com pessoas
de outra nacionalidade não regressam. Já para os que vieram depois, a
mentalidade mudou. A tendência é de regresso e muitos regressam ao país porque
quando lá vão de férias vêm como está Cabo Verde e preferem ficar por lá”, diz uma
das mais influentes representantes da comunidade cabo-verdiana no Luxemburgo e
presidente da Associação dos Pais dos Alunos de Origem Cabo-verdiana (APADOC), Joana
Ferreira.
“Os médicos até dizem
para regressarem à terra, por causa da temperatura. A temperatura lá é melhor
para eles e quando vêm cá, vê-se que vêm melhor", acrescenta Joana
Ferreira.
Quanto a casos como o do
octogenário Carlos Silva a dirigente associativa diz que são em “número
reduzido”.
“Quando temos casos de
pessoas com fragilidade de saúde, elas não podem ir para Cabo Verde. Preferem
ficar por cá por causa dos cuidados médicos e da medicina mais avançada, mas
são um número reduzido", assegura Joana Ferreira, que explica o pouco
número de cabo-verdianos nos lares.
"Não há muitos cabo-verdianos
nos lares de idosos. Nós temos uma ligação muito próxima
com a família e não há filho cabo-verdiano que queira ver os pais num lar.
Nesse aspecto fomos educados de outra maneira e temos uma mentalidade diferente
da europeia."
Um lugar ao sol no Luxemburgo e em
Cabo Verde
Jaime Barbosa goza a sua reforma com um pé no Luxemburgo e outro em Cabo Verde, sempre à procura do sol. Não tem família no Luxemburgo, mas passa o tempo com os amigos. Diz que é livre Foto: H.Burgo |
“Vim trabalhar para as fábricas da Mosele ainda o tempo do general de Gaulle. Havia muita greve na altura e infelizmente aquilo acabou por ir fechando”, conta Jaime, que um ano e meio depois, em 1965, fez as malas e foi para Roterdão (Holanda), onde havia já uma considerável comunidade cabo-verdiana. Mais tarde regressou a França, e em 1970 veio para o Luxemburgo, onde encontrou e manteve trabalho no aeroporto do Findel.
Em 2000, e aos 65
anos, Jaime reforma-se e de lá para cá tem reservado o seu “lugar ao sol” entre
o Luxemburgo e Cabo Verde.
"Eu passo o Verão
aqui, que tem sol, e o Inverno em Cabo Verde para apanhar o bom sol de lá. Antes
não podia porque trabalhava, mas agora posso lá ir”, diz.
Mas para já a
ideia é ficar pelo Luxemburgo, não por causa do sistema de saúde, mas porque se
sente mais “habituado à Europa”.
“Para já a ideia
é ficar por cá porque, como vim ainda novo, estou mais habituado à Europa. Mas
nunca se sabe. Quanto à questão da saúde, é certo que o médico é sempre um bom
apoio, mas eu não estou aqui por causa disso. Médicos há em todo o lado e quando
chegar a hora da morte não há médicos para isso! Por enquanto consigo andar e
não tenho problemas. Quando faltarem as forças posso encontrar assistência nos
dois países. Lá há família ou paga-se a alguém para ajudar. Aqui é igual, os
médicos e os amigos são a família”, confia Jaime.
A caminho dos 78
anos, Jaime vive sozinho e é quem mantém as portas abertas da Associação
Amizade Cabo-verdiana no Luxemburgo, na capital. Não tem família no Luxemburgo
e é com os amigos que passa o tempo, sempre com a música por perto.
“Há algumas
pessoas que não regressam porque têm aqui os filhos e o resto da família. Não é
o meu caso. Não tenho filhos e a minha família está em Cabo Verde. Aqui passo o
tempo com os amigos. Juntámo-nos para tocar música cabo-verdiana, saio também
para bailes e festas, e se eu quiser ficar aqui, eu fico. Sou livre e vou para
o meu berço Cabo Verde quando quiser”, diz o músico, que tem a única mágoa de
não ver valorizado o talento musical cabo-verdiano no Luxemburgo.
“Já toquei com a
Cesária quando ela veio cá dar o concerto em Begen. Toquei com o Samba e o
Justino. Grandes músicos. Também hoje temos bons músicos por cá, mas não
percebo porque é que para as festas cabo-verdianas vão buscar músicos de fora.
Deviam dar mais valor aos músicos que temos aqui”, desabafa o ainda “jovem”
velho Jaime.
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